Pelo MAR - Referendar o tratado

Tratado de Lisboa - O texto da discórdia

Título I - As Categorias e os Domínios de Competências da União

ARTIGO 3º

1. A União dispõe de competência exclusiva nos seguintes domínios:

d) Conservação dos recursos biológicos do mar, no âmbito da política comum das pescas



segunda-feira, 14 de julho de 2008

O preço do gasóleo e o preço do centralismo político


A subida do custo do petróleo colocou em situação crítica os sectores dependentes dos custos energéticos e com poucas possibilidades de o repercutir no preço final ao consumidor.
A pesca é talvez o exemplo mais paradigmático desta situação, e isto é verdade não só pelo aumento do custo do combustível, mas por duas razões essenciais que têm sido memorizadas. A primeira, é a de que o mercado não está a atribuir ao peixe o valor que ele efectivamente deveria ter e, a segunda, é a de que para encontrar um peixe é preciso navegar cada vez mais e, portanto, gastar mais combustível.
Quanto ao mercado, penso que se trata de um tema em que há imenso a fazer e no qual só agora a União Europeia começou a dar uns primeiros e tímidos passos e em que bastaria seguir o que se fez em matéria de produtos agrícolas regionais, para podermos ter uma situação diferente.
Quanto ao segundo factor – de longe o mais decisivo – ele apenas reflecte a progressiva escassez de peixe no mar, e portanto a progressiva insustentabilidade da actividade.
Há menos de um ano, tivemos a oportunidade de ler dois trabalhos fundamentais que explicam a razão pela qual a política comum das pescas falhou clamorosamente e levou a que o espaço marinho europeu se encontre entre os mais depauperados em recursos haliêuticos do mundo inteiro. Um desses trabalhos era da autoria do Tribunal de Contas e o outro, de dois dos mais reputados cientistas mundiais que fizeram um relatório para a Comissão Europeia sobre a matéria.
O primeiro diz aquilo que os mais avisados já sabiam: o centralismo europeu nas pescas é um imenso "faz de conta", em que centenas de dispositivos legislativos, produzidos em Bruxelas, são ignorados, porque são produzidos sem ter em conta as suas condições de aplicação.
Sem dizer que o problema está nesse centralismo e nessa concepção aberrante do "pronto a vestir" que ignora as características do corpo a que se destina, o Tribunal de Contas é claro a desmascarar uma situação com décadas de negligência hipocritamente escondida.
O segundo vai mais longe, e explica que o problema é exactamente o desse centralismo político, e talvez por isso, foi aquele que a Comissão mais embaraço teve em aceitar.
Mas se a Comissão Europeia parece ter começado a dar-se conta desta realidade, o Tribunal de primeira instância do Luxemburgo – cuja jurisprudência é responsável pela forma absurda e centralizada com que se desenvolveu a Política Comum das Pescas – continua totalmente divorciado dela, e a sentença que produziu, no passado dia 1 de Julho, contra o direito e o dever que a Região Autónoma dos Açores tem de salvaguardar os ecossistemas marinhos dos seus próprios mares, é um sintoma disso.
A sentença do Tribunal não se limita a reafirmar os pontos mais conservadores da jurisprudência europeia em matéria de monopólio dos Governos na representação do interesse geral, e vai, de forma gratuita, muito para além disso, produzindo considerações sobre a matéria em apreço que não podem deixar de arrepiar quem quer que tenha uma noção do que está em debate.
Como é possível na Europa de 2008 ignorar-se que a especificidade de qualquer ecossistema leva a que não se possam fazer considerações em matéria de espécies alvo ou de técnicas que sejam independentes do espaço a que se refiram?
Como é possível manter-se na Europa de 2008 a concepção de que o acesso aos recursos marinhos deve ser visto da mesma forma que o acesso dos camiões TIR às estradas; concepção esta que deu origem à célebre competência exclusiva europeia?
A sentença do Tribunal do Luxemburgo é totalmente inadmissível para quem quer parar a atitude selvagem com que se destruíram os ecossistemas marinhos europeus. Não há subsídio ao preço do gasóleo que possa compensar os custos causados por esta concepção profundamente retrógrada e centralista, dos mares europeus
In Jornal A União 11 Jul 08
Autor: Paulo Casaca, Deputado Europeu

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